SOPATI Sociedade Paulista de Terapia Intensiva
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Caso da “médica de Curitiba” reacende debate sobre a terminalidade da vida

Nas últimas semanas, o caso que ficou conhecido como o da “médica de Curitiba” ganhou grande repercussão na mídia. Virgínia Soares de Souza, chefe da Unidade de Terapia Intensiva (UTI) do Hospital Universitário Evangélico de Curitiba, está sendo investigada por suspeita de homicídio qualificado pela Polícia Civil do Paraná. Acusada de ordenar a antecipação de mortes de pacientes na UTI, a médica se encontra detida durante as investigações.

Dr. Vladimir Ribeiro Pinto Pizzo, médico intensivista da Unidade de Terapia Intensiva do Hospital do Sírio Libanês, membro da equipe de Cuidados Paliativos da mesma instituição e sócio da SOPATI (Sociedade Paulista de Terapia Intensiva), fala sobre esse e outros assuntos relacionados à terminalidade da vida na entrevista que você confere abaixo:

O senhor considera que o caso da médica investigada por homicídio qualificado em Curitiba pode ter um impacto negativo na imagem dos profissionais da área de terapia intensiva? 

Sem dúvida, situações como esta geram grande comoção na opinião pública e as pessoas que não conhecem o dia a dia de uma Unidade de Terapia Intensiva (UTI) podem imaginar que elas são rotineiras.
Há muitas ideias preconcebidas sobre as UTIs, sendo que muitas pessoas ainda associam estes ambientes a locais para onde os pacientes vão para morrer ou quando estão no “fim da linha”.

O conceito mais moderno é de unidades adaptadas para atender pacientes em situações graves, em risco de morte ou instabilidade. Os objetivos de tratamento são, na maioria das vezes, a recuperação de uma condição mais saudável. No entanto, muitos pacientes acabam apresentando evolução lenta e arrastada e esta condição de restabelecimento da saúde não acontece ou acontece de maneira incompleta podendo levar a grande dependência, restrições e insatisfação.  

Falecimentos nas UTIs são fatos relativamente frequentes e um dos grandes problemas de Saúde Pública atualmente é a luta a todo custo contra a morte, o que pode gerar cenários de sofrimento para pacientes e familiares. 

Na minha opinião, uma boa maneira de reverter esta situação é dar continuidade ao processo de “abertura das portas” das UTIs para a sociedade reconhecer o trabalho em prol da vida que se desenrola nestes ambientes.

Neste momento reaparece a discussão sobre Eutanásia. O que significa de fato e quais as diferenças entre eutanásia, ortotanásia e distanásia?

Atualmente a Medicina encara a morte como um processo e não meramente como um evento. A Tanatologia é a ciência que busca compreender estes processos.

Na Eutanásia, o indivíduo decide livremente pelo fim de sua vida – na maioria das vezes, por estar experimentando sofrimento intenso - e recebe doses letais de medicamentos/soluções, mediante a prescrição de um médico que concorda com o ato.

É considerado um procedimento legal em diversos países do mundo como na Holanda e Suíça. No Brasil é avaliada como antiética – conforme o artigo 41 da resolução 1931 do Conselho Federal de Medicina (CFM) retificada e que entrou em vigor em 2010: “É vedado ao médico abreviar a vida do paciente ainda que a pedido deste ou de seu representante legal.” - e ilegal, considerada homicídio, ainda que possa ter atenuantes.

Na Ortotanásia, ou “morte no momento certo”, “morte sem sofrimento” são tomadas diversas medidas que objetivam o conforto do paciente sem que se interfira com o processo normal da morte. Cabem, por exemplo, discussões como limitação ou restrição de medidas de suporte avançado de vida nas situações em que estas venham a ser consideradas fúteis. Um indivíduo que padece de doença incurável – câncer avançado fora de novas possibilidades terapêuticas específicas ou um portador de quadro demencial avançado, por exemplo – não se beneficiaria de intubação orotraqueal no caso de insuficiência respiratória decorrente da sua condição clínica de base.

Medidas consideradas adequadas nesta situação poderiam ser o uso de opioides ou recursos como ventilação mecânica não invasiva com intuito de melhorar o sintoma dispneia.
Este conceito está intimamente relacionado aos Cuidados Paliativos e há discussões em âmbito jurídico que buscam validá-la como boa prática em situações de fim de vida.

Em contrapartida a Distanásia ocorre quando o processo de morte é acompanhado de sofrimento quer seja ele decorrente da não abordagem dos sintomas que acompanham o quadro como também dos próprios tratamentos – medidas fúteis, desproporcionais, que objetivam prolongar simplesmente o tempo de vida, em detrimento de sua qualidade. Pode ocorrer nas UTIs e os profissionais que atuam nestes ambientes devem reconhecer e repudiar medidas distanásicas.

Há também discussões sobre a “criminalização” da distanásia, daí a importância dos profissionais que lidam com pacientes críticos e/ou em fim de vida conhecerem bem estes conceitos.

Como agir então para evitar a distanásia e promover a ortotanásia? 

É aí que entram os Cuidados Paliativos, segundo a Organização Mundial de Saúde, abordagem que busca melhorar a qualidade de vida dos pacientes e familiares que enfrentam problemas associados a doenças que ameaçam a vida através da prevenção e alívio do sofrimento por meio da identificação e avaliação precoce e implacável de problemas físicos, psíquicos, sociais e espirituais. Não se restringem aos cuidados em fim de vida, e vêm crescendo no mundo todo, porém ainda incipientes no Brasil.
A especialidade foi reconhecida muito recentemente e diversos hospitais dispõem de serviços que buscam suprir estas demandas. Caso o profissional da UTI tenha dúvidas na condução de um caso, e exista a possibilidade em seu serviço, é muito interessante acionar a equipe de Cuidados Paliativos.

E como ficam os pacientes que não podem se expressar? Qual o papel da família nestes casos? 

É frequente que os pacientes não possam emitir suas opiniões nos momentos de decisões difíceis quer por motivos relacionados à sua condição clínica ou mesmo consequências do tratamento – coma ou sedação, por exemplo. Nestas situações é muito importante que haja pessoas qualificadas para auxiliar no processo de tomada de decisões: profissionais de saúde com habilidades em comunicação, familiares ou representantes legítimos da vontade dos pacientes que atuem conforme conhecimento das vontades e preferências dos pacientes ou exerçam a empatia – capacidade de se colocar no lugar do outro, porém imaginando-se como o outro e não como si mesmo.

Vale ressaltar a resolução 1995 do CFM, publicada no ano passado conhecida como “testamento vital” que dispõe sobre as diretivas antecipadas de vontade dos pacientes definidas como o conjunto de desejos, prévia e expressamente manifestadas pelo paciente sobre cuidados e tratamentos que quer ou não receber no momento em que estiver incapacitado de expressar livre e autonomamente suas vontades. Estas diretivas não precisam estar registradas formalmente e deveriam ser discutidas precocemente com os familiares e médicos dos pacientes para dar subsídios para o processo de tomada de decisões em situações complexas de fim de vida.

Fica bem claro, no entanto, que o paciente tem autonomia para decidir assim como este pode delegar tais decisões para um representante ou a equipe que o assiste, sempre informado de todas as possibilidades e alertado dos possíveis desdobramentos de tais determinações. 

E quanto aos pacientes pediátricos? 

Na Pediatria, apesar das suas peculiaridades, os conceitos são equivalentes.

O cuidado de crianças que padecem de doenças graves tem uma série de particularidades, inclusive por questões prognósticas, mas continuam valendo os princípios relacionados à distanásia e ortotanásia.

Talvez a grande peculiaridade dessa população seja nos aspectos relacionados aos processos de tomada de decisões – entre as crianças que não conseguem decidir, pois há aquelas que têm maturidade suficiente para tal. A figura da família/representantes legais é fundamental e frequentemente necessita de apoio, até psicológico, para decisões difíceis de preferências de fim de vida, por exemplo.

Qual a importância desta discussão para a rotina da UTI? 

Considero a discussão fundamental uma vez que estas situações são muito frequentes e além de impactarem na qualidade da assistência prestada aos pacientes e familiares, impacta diretamente na saúde dos profissionais envolvidos no cuidado.

Estes profissionais frequentemente têm grandes cargas horárias a cumprir, por vezes cuidam de mais de um paciente em situação grave, possuem pouco espaço para ventilar suas emoções e pouco tempo para lidar com as perdas – que frequentemente acompanham aqueles que mais se “envolvem” com o cuidado dos pacientes. Este cenário é propício para manifestação de uma série de condições que culminam em absenteísmo, adoecimento e, em alguns casos, esgotamento.

Identificar e instrumentalizar estes funcionários com ferramentas para lidar com tais situações pode contribuir para a melhoria do funcionamento da unidade e favorecer sua saúde.

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