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Artigo Comentado - Julho/2016

Recomendações da 4ª edição do Guideline Europeu sobre o manejo de sangramentos maiores e coagulopatia secundária ao trauma - PARTE 1

Considerando todas as causas de óbito em um ano ao redor do mundo, as lesões traumáticas correspondem a cerca de uma em cada 10, totalizando cerca de 5,8 milhões de pessoas. A previsão segundo a organização mundial de saúde é que esse número aumente para 8 milhões em 2020. As três principais causas de trauma são os acidentes automobilísticos, os suicídios e os homicídios.

Cerca de um terço dos pacientes que chegam ao hospital com sangramento pós-traumático apresentam coagulopatia na admissão e a presença desta complicação está relacionada a elevado risco de evolução com outras disfunções orgânicas e a maior mortalidade.

Sangramentos não controlados ocasionados por lesões traumáticas levam a óbito de forma precoce, contudo, quando bem conduzidos, podem ser potencialmente prevenidos, diminuindo de forma significativa a morbimortalidade e os custos sociais. Já se sabe que a severidade da coagulopatia pode ser influenciada por fatores ambientais e terapêuticos, como consumo dos fatores de coagulação, hipotermia, acidose, hemodiluição (ressuscitação) e hipoperfusão.

Diante do exposto seguem as recomendações do guideline Europeu:

1. Pacientes com lesões traumáticas severas devem ser transportados para hospitais especializados ou com recursos adequados para o manejo destes pacientes. Idealmente o centro deve apresentar especialistas diversos.

2. O tempo de transporte deve ser o menor possível, assim como o tempo entre a lesão e o controle de sangramento.

3. Realizar torniquete quando o paciente apresenta alto risco de óbito secundário a sangramento em extremidades abertas. Não existe recomendações para torniquete em contexto de trauma fechado. Para evitar isquemia o prazo máximo deve ser de 2 horas.

4. Em todos os casos de trauma deve-se evitar hipoxemia – principalmente em trauma cranioencefálico (TCE). Sempre ventilar com frequência respiratória dentro da normalidade. A sugestão é hiperventilar pacientes em TCE se sinais ou sintomas de iminência de herniação cerebral.

5. Pacientes que chegam ao hospital com choque hipovolêmico em que o sítio do sangramento seja conhecido devem ir de imediato para correção cirúrgica, exceto se as manobras de ressuscitação tenham sido efetivas. Nos pacientes sem foco claro de sangramento, a preferência deve ser a investigação etiológica realizando o ABCDE do trauma. Em pacientes estáveis a tomografia computadorizada parece ser a melhor opção. A investigação na sala de emergência de sangramento abdominal fechado com a realização de ultrassonografia FAST (do inglêsfocused assessment with sonography for trauma) é recomendada.

6. Pacientes com sangramento ativo intratorácico, intra-abdominal ou retroperitonial devem sofrer intervenção cirúrgica imediata.

7. Hemoglobina (Hb) baixa na admissão deve ser um indicador de sangramento severo e alto risco para coagulopatia. O controle de Hb e hematócrito devem ser realizados de forma seriada para acompanhar evolução ao longo da internação. Não existe o melhor marcador e ambos podem ser seriados. Valores dentro da normalidade podem mascarar sangramentos (ATENÇÃO!). Isto ocorre porque a velocidade de distribuição de líquido do extravascular para o intravascular é muito lenta. Portanto, valores baixos de Hb podem aparecer apenas quando o paciente é ressuscitado com cristalóides ou quando ocorre redistribuição da água corporal.

8. O lactato e déficit de base são dois parâmetros laboratoriais que podem ser utilizados como testes sensíveis para estimar e monitorizar a extensão do sangramento e a baixa perfusão ocasionada pelo choque hipovolêmico. Neste contexto, a alterações destes exames é decorrente do desequilíbrio entre a oferta e o consumo de oxigênio, da hipoperfusão, da acidose tecidual e do baixo débito.

9. Para todos os casos os valores de tempo de protrombina (TAP), do tempo de tromboplastina parcial ativada (TTPA), do fibrinogênio e das plaquetas devem ser dosados e seriados de rotina.

10. Em caso de lesões traumáticas com sangramento importante, desde que não coexista TCE associado, manter pressão arterial sistólica em torno de 80 – 90 mmHg até que o sangramento seja contido (hipotensão permissiva). Em pacientes com TCE grave (Glasgow < 8) ou com lesão medular considere manter pressão arterial média (PAM) > 80 mmHg no intuito de manter a pressão de perfusão cerebral (PPC) adequada. Lembrando que PPC = PAM – PIC (OBS: PIC pressão intracraniana).

11. Realizar expansão volêmica criteriosa e restrita, evitando grande quantidade de volume, o que pode ocasionar hemodiluição dos fatores de coagulação, diminuição da adesividade plaquetária e resfriamento do paciente - situações que aumentam o risco de sangramento. Além disso, a expansão volumosa aumenta o risco de síndrome compartimental abdominal, o que pode piorar o quadro de choque por diminuir o retorno venoso e consequentemente a pré carga do ventrículo direito, que já está baixa pela hipovolemia.

12. Em situações de sangramento ameaçador à vida considerar introdução de vasopressor em associação a expansão volêmica, visando manter parâmetros macro hemodinamicos. Entretanto, sempre lembrar da hipotensão permissiva.

13. A expansão volêmica deve ser feita com cristalóides isotônicos. Tanto ringer quanto soro fisiológico (SF) podem ser utilizados. Ringer lactato é a melhor opção na maioria dos casos, devendo ser evitado nos casos de TCE pelo risco de edema. Neste caso, considere SF devido a maior carga de sódio. A expansão com SF 0,9% deve ser criteriosa pelo risco de acidose hiperclorêmica, o que poderia facilitar a perpetuação do sangramento. O uso de colóides esta proscrito devido ao risco de piorar a hemostasia do paciente.

14. Manter valores de Hb entre 7 e 9 g/dl.

15. Evitar hipotermia (< 35◦C). A normotermia deve ser alcançada a todo custo. O aquecimento pode ser realizado com mantas simples, cobertores, mantas térmicas e até mesmo cristalóide aquecido. A associação de hipotermia, acidose e coagulopatia é fatal para os pacientes (triade da morte). A hipotermia diminui a ação de fatores de coagulação e altera a função das plaquetas.

16. O uso o mais precoce possível do ácido tranexâmico esta recomendado em todos os pacientes sangrando em decorrência de trauma ou em risco potencial de sangramento grave. A dose sugerida é de 1 g em bolus em 10 minutos, seguida de 1 g em 8 horas (Grau de recomendação 1A), de acordo com dados do estudo CRASH -2.

Referência

- Rossaint R, Bouillon B, Cerny V et al. The European guideline on management of major bleeding and coagulopathy following trauma: fourth edition. Crit Care. 2016 Apr 12;20(1):100.
- http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/23477634

Postado por Rodrigo Camillo da Cunha

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