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SDRA: riscos e benefícios do uso de bloqueadores neuromusculares

A ventilação mecânica representa a principal terapia de suporte para os pacientes com síndrome do desconforto respiratório agudo (SDRA), com propósito de manutenção adequada das trocas gasosas, redução do trabalho respiratório e prevenção da fadiga muscular. Porém, quando programada de maneira inapropriada, a ventilação mecânica tem potencial para perpetuar e piorar a lesão pulmonar.

O principal determinante da lesão induzida pela ventilação mecânica (VILI) relaciona-se com a hiperdistensão das unidades alveolares, resultado da aplicação de excessivas pressões transpulmonares (stress)...

Essa injúria biofísica desencadeia uma série de eventos bioquímicos, com produção local de citocinas inflamatórias, migração de neutrófilos e quebra da barreira alvéolo capilar.

Consequente as alterações estruturais e funcionais nas unidades alveolares, ocorre redução da superfície de troca gasosa, com colapso alveolar progressivo e predomínio de efeito shunt, determinando maior prejuízo na difusão de oxigênio.

As estratégias ventilatórias que buscam reduzir a assincronia ventilatória e minimizar a lesão pulmonar induzida pela ventilação mecânica estão entre as principais intervenções na SDRA. Deve-se evitar a ventilação com elevados volumes correntes e pressões inspiratórias, respeitando o conceito de ventilação protetora para os pacientes já com diagnóstico de SDRA. O volume corrente preconizado não deve ultrapassar 6ml/kg e é importante monitorizar a pressão de platô, com limite proposto como alvo inferior a 30cmH2O.

A utilização de modalidades ventilatórias espontâneas na fase inicial da SDRA tem sido muito debatida nos últimos anos, especialmente decorrente de algumas publicações sugerindo benefícios na oxigenação e no desmame ventilatório. Porém, existem potenciais malefícios atribuídos ao uso dos modos espontâneos, decorrentes das dificuldades no controle das pressões transpulmonares, com possível piora da injúria pulmonar especialmente nos pacientes com SDRA grave (PaO2/FiO2 < 100mmHg).

Mesmo diante da atual tendência de incentivo a redução nas metas de sedação, com intenção de manter os pacientes mais acordados, nos pacientes com SDRA algumas publicações sugerem potenciais benefícios no uso dos BNMs. O racional da sua utilização está exposto na Figura 1.


Figura 1. Possíveis mecanismos atribuídos aos benefícios do seu uso na SDRA.

Em 2004, estudo prospectivo e randomizado com 56 pacientes apresentando SDRA demonstrou que a infusão por 48 horas de cisatracúrio associou-se com melhora na oxigenação e permitiu ventilar de maneira mais controlada a pressão de platô nas primeiras 120 horas.

Outro estudo publicado em 2006, com inclusão de 36 pacientes randomizados para receber cisatracúrio por 48 horas vsplacebo, demonstrou redução significativa nas citocinas inflamatórias no tecido pulmonar além do incremento da oxigenação no grupo que recebeu infusão de cisatracúrio.

Recentemente, ensaio clínico multicêntrico incluiu 340 pacientes randomizados para receber por 48 horas cisatracúrio vsplacebo. Foram incluídos todos os pacientes intubados por insuficiência respiratória hipoxêmica e diagnóstico de SDRA com relação PaO2/FiO2 < 150 que preenchiam critérios por um período inferior a 48 horas.

Quando bem sedados, iniciava-se a infusão de cisatracúrio com bolus de 15mg, seguidos por 37,5mg/h por 48 horas. A ventilação era realizada no modo volume controlado. O protocolo do estudo foi bem conduzido, contemplando método de recrutamento alveolar similar ao praticado no estudo ARDSNetwork (nível de PEEP atribuído a necessidade de FIO2).

Os pacientes incluídos eram graves, com SAPS II 50 vs 47, PaO2/FiO2 106 vs 115 nos grupos cisatracúrio e placebo, respectivamente. A mortalidade em 90 dias foi 31,6% no grupo cisatracúrio vs 40,7% no placebo (p=0.08). Quando corrigidos para o SAPSII, pressão de platô inicial e relação PaO2/FiO2, a diferença tornou-se significativa (p=0.04). Além disso, o grupo cisatracúrio teve mais dias livres de ventilação mecânica e menor incidência de barotrauma.

Algumas limitações neste estudo incluem o uso de doses fixas de curare, sem utilização de ferramentas de monitorização do bloqueio, o que poderia permitir uma melhor interpretação de dose/efeito desejado a ser praticado. Além disso, a mortalidade no grupo placebo foi menor que no estudo ALIVE, o qual foi utilizado de comparação de mortalidade na SDRA para cálculo do tamanho amostral, o que reduz o poder do estudo e estimando uma amostra próxima de 885 pacientes para provar o real beneficio do cisatracúrio.

Em resumo, na fase precoce de pacientes com SDRA grave apresentando dissincronia ventilatória, mesmo com níveis de sedação otimizados, parece seguro o emprego do cisatracúrio em infusão contínua, podendo melhorar a oxigenação, a adaptação à ventilação mecânica com redução da VILI e da inflamação, com um potencial impacto em mortalidade, como relatado nos parágrafos anteriores. Restam, no entanto, algumas perguntas a serem respondidas: qual a dose ideal? Monitorizar o bloqueio traz benefícios? Esse efeito estende-se a outros BNMs?

Como ressalva, devemos refletir sobre os possíveis efeitos adversos atribuídos ao uso dos BNMs e considera-los no momento da opção pelo uso destes na SDRA, conforme exposto na figura 2.

Referências:
1. http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/14707568
2. http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3475105
3. http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/20843245
4. http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/10793162
5. http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/14569423
6. http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3224506
7. http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/16394778

Fonte: Antonio Tonete Bafi, Especialista em Medicina Intensivista pela AMIB; Pós graduando de doutorado em Medicina Intensiva da UNIFESP; Coordenador da UTI Disciplina Anestesiologia, Dor e Terapia Intensiva da Unifesp; Coordenador da UTI do Hospital do Rim e do Hospital SEPACO (Equipe Paciente Grave UTI)

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