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Artigo Comentado - Junho/2014

TROMBOSE VENOSA DE EXTREMIDADES SUPERIORES EM PACIENTES GRAVES – UMA ENTIDADE POUCO RECONHECIDA POREM IMPORTANTE?

 

Luciano Azevedo
Médico da UTI da Disciplina de Emergências Clinicas do HC-FMUSP
Médico da UTI da Disciplina de Anestesiologia e Medicina Intensiva da UNIFESP
Pesquisador do Instituto Sirio-Libanes de Ensino e Pesquisa
Diretor Científico da Sociedade Paulista de Terapia Intensiva, SOPATI

 

Comentário sobre o estudo:

Nonleg venous thrombosis in critically ill adults: a nested prospective cohort study. Lamontagne F, McIntyre L, Dodek P et al. JAMA Intern Med. 2014 May 1;174(5):689-96.

A trombose venosa profunda de membros inferiores é bem estudada no paciente grave e associa-se a desfechos importantes e conhecidos, gerando necessidade de se realizar profilaxia farmacológica ou mecânica na imensa maioria de pacientes internados em UTIs. Por outro lado, sua “irmã” trombose venosa profunda de “membros superiores” (TVPMS) é bem menos conhecida, tem incidência variável nos diversos estudos e inexiste uma adequada definição de como deve ser tratada ou evitada. O estudo acima contribuiu enormemente para melhorar esses aspectos pouco claros desta entidade.

A TVPMS parece ser uma problema clinico importante em UTIs. Em um estudo observacional recente, 862 pacientes em uma UTI cirúrgica foram examinados semanalmente para TVPMS. Apesar da profilaxia com heparina, 15% destes desenvolveram uma ou mais TVPMS. Em um estudo transversal de 6 meses de 5451 pacientes consecutivos que tinham TVPMS, descobriu-se que o fator de risco mais forte para essa trombose foi a inserção de um cateter venoso central. A associação entre cateteres venosos centrais e TVPMS também foi identificada em dois estudos prospectivos e câncer foi descrito nestes estudos como outro forte preditor.

As consequências clínicas da TVPMS não são bem compreendidas. Um estudo mostrou que 2,6% dos pacientes de UTI que tinham TVPMS identificados por ultrassom doppler tiveram tromboembolismo pulmonar (TEP) durante a hospitalização. Outros investigadores relataram que a taxa de TEP em pacientes que tem TVPMS é menor do que em pacientes que têm TVPMI (9% vs 29%, p<0,001). Finalmente, a mortalidade associada com TVPMI é comparável à que está relacionado com a TVP das pernas.

O objetivo do presente estudo foi descrever a frequência, fatores de localização anatômica, risco, tratamento e consequências da TVPMS em uma grande coorte de pacientes críticos adultos.

Tratou-se de um estudo observacional aninhado a um estudo prospectivo randomizado de heparinização profilática em pacientes graves utilizando heparina não fracionada vs heparina de baixo peso molecular (Estudo PROTECT). No presente estudo, foram avaliados 3746 pacientes e o diagnóstico de TVPMS feito clinicamente e com exames nos respectivos sítios foi confirmado por membros do comitê do estudo. Vale salientar que não foi realizado screening periódico para TVP neste estudo o que, se por um lado é uma limitação que impede a estimativa da real incidência dessa condição, por outro é um fator que agrega validade externa ao estudo, já que apenas as TVPMS nas quais havia suspeição clínica significativa foram computadas. Neste estudo, a maioria dos casos de TVPMS se desenvolveu após o terceiro dia de UTI, apesar da profilaxia universal com heparina.

Os autores acharam uma incidência de TVPMS clinicamente significantes de 2.2% nessa população (84 episódios). Essas tromboses foram mais proximais e profundas e o segmento vascular mais afetado foi a veia jugular interna (31%). Metade dos episódios de trombose ocorreu em pacientes que estavam em uso de cateteres centrais no segmento acometido. Interessantemente, na análise multivariada, o único fator de risco que permaneceu como preditor de desenvolvimento de TVPMS foi câncer, com aproximadamente o dobro de chance de desenvolver TVPMS para pacientes oncológicos. A incidência de TEP nesses pacientes também foi significativa com 14,9% de ocorrência em pacientes com TVPMS diagnosticada e 1,9% em pacientes sem TVPMS. Apenas 13% dos pacientes receberam anticoagulação terapêutica após esse diagnóstico. Já quanto à mortalidade, a ocorrência de TVPMS não se associou a maior mortalidade na UTI, contudo o fato de terem sido analisados apenas pacientes com TVP com alta suspeição clínica não permite estabelecer uma associação precisa entre a TVPMS e esse desfecho. Para concluir, os autores sugerem que apesar da tromboprofilaxia universal, a TVPMS clinicamente manifesta pode acontecer em até 2,2% dos pacientes graves, ocorre mais frequentemente em veias proximais e profundas, associa-se com a presença de câncer e se correlaciona com maior incidência de TEP, porém não maior mortalidade. Esses resultados sugerem que devemos prestar mais atenção nesta condição, inclusive com investigação diagnóstica mais precoce e tratamento otimizado para esses pacientes. A discussão sobre profilaxia com heparina em pacientes com câncer em uso de cateteres venosos centrais também deve ser considerada.

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