Os dilemas da equipe multidisciplinar na UTI
O trabalho dos profissionais que atuam nas Unidades de Terapia Intensiva é estressante por natureza, uma vez que lida o tempo todo com questões de vida e morte dos pacientes. Consequentemente, eles entram em contato com suas próprias angústias frente ao sofrimento alheio e a inexorabilidade da finitude que lhes cabe também.
Diante das situações de urgência e emergência neste ambiente, marcado por vários conflitos relacionados à qualidade e fim de vida dos pacientes, surgem dilemas morais e sofrimento moral (chamado de distress moral), o que configura a Síndrome de Burnout. Ela indica “estresse excessivo do trabalho”, uma exaustão física, mental e emocional devido à alta exposição em situações de estresse, e é quase uma exclusividade destes profissionais em todas as graduações.
A literatura mostra que os problemas morais na Saúde ocorrem quando há diferenças de entendimento sobre uma mesma situação, e que não são comunicadas, compreendidas ou resolvidas corretamente pela equipe, normalmente multiprofissional, acarretando em distress moral. Situações em que questões morais e éticas importantes estão em conflito precisam de definições que visem ao bem estar de um paciente. Uma opção invalida a outra, o que causa um desequilíbrio na tríade (paciente x equipe x familiar).
Pode ser mais intensa quando atinge a condição do sofrimento moral (moral distress), isto é, sentimentos dolorosos ou desequilíbrios físicos e emocionais podem ocorrer quando os profissionais seguem uma maneira correta, moral, ética e bioética para agir em uma situação de risco envolvendo a vida humana, porém são impedidos por determinada conduta de chefia ou de hierarquia superior, repetidas vezes.
Citemos um exemplo para compreensão, uma situação como: Obstinação terapêutica x Cuidados Paliativos. Este é um momento em que outro profissional pode ter papel preponderante na decisão de um determinado caso, levando a equipe, como um todo, a um sofrimento por prestação de cuidados fúteis ou por esta ter uma melhor perspectiva para o mesmo caso. O médico titular do paciente pede a interrupção do investimento terapêutico. Este é um dos “X” das questões, quando não há consenso (maleficência x beneficência), há sofrimento da equipe, quiçá do paciente e de seus familiares.
“Moral Distress” também está relacionado à singularidade psíquica dos componentes da equipe multiprofissional, pois as pessoas têm diferentes níveis de tolerância quanto à frustração, fracasso, impotência e até mesmo depressão, não importa qual papel que o componente da equipe exerceu na situação estressante. Estas questões tendem a acarretar insatisfações no trabalho e, muitas vezes, o abandono da profissão.
Viver dilemas éticos é extremamente desgastante e uma realidade no trabalho diário das nossas UTIs. É fato que o ser humano, em qualquer atividade profissional, não suporta uma “Ferida narcísica” ao se deparar, impotente, principalmente, do dilema da vida.
Diante destas questões do Distress Moral e de Burnout, há necessidade de se criar formas de enfrentamento, bem como de uma Gestão que leve em consideração o ambiente de trabalho, o reconhecimento do profissional e seu bem- estar. Uma inter-relação multiprofissional respeitosa e colaborativa, visando, principalmente, a melhor qualidade de vida para o paciente em seus cuidados, tanto paliativos quanto de boa evolução prognóstica.
Sandra Vieira Cardoso – Coordenadora do Departamento de Psicologia da Sociedade Paulista de Terapia Intensiva (SOPATI)