SOPATI Sociedade Paulista de Terapia Intensiva
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Artigo Comentado - Novembro/2013

SOPATI - Artigo Comentado do mês – novembro 2013

Bloqueio beta-adrenérgico no choque séptico – um novo objetivo terapêutico?


Luciano Azevedo
Médico da UTI da Disciplina de Emergências Clinicas do HC-FMUSP
Médico da UTI da Disciplina de Anestesiologia e Medicina Intensiva da UNIFESP
Pesquisador do Instituto Sirio-Libanes de Ensino e Pesquisa.
Diretor tesoureiro da SOPATI


Artigo: Morelli A, Ertmer C, Westphal M et al. Effect of heart rate control with esmolol on hemodynamic and clinical outcomes in patients with septic shock: a randomized clinical trial. JAMA. 2013 Oct 23;310(16):1683-91.

A resposta inflamatória sistêmica descontrolada é a marca de sepse e contribui para o desenvolvimento de disfunção de órgãos e choque. Os mecanismos exatos da falência cardiovascular após infecção grave, no entanto, permanecem mal elucidados. O sistema adrenérgico é um modulador chave da função do órgãos e da homeostase cardiovascular. Estes receptores estão amplamente distribuídos no organismo, incluindo células do sistema imunológico, vasos, coração, os pulmões, vias aéreas, tecido adiposo, músculos esqueléticos e cérebro. Além disso, a modulação β-adrenérgico é uma intervenção terapêutica frequente na UTI.

Efeitos imunológicos e cardiovasculares dos beta-bloqueadores

O sistema β -adrenérgico é um modulador potente bem conhecido do sistema imune. Órgãos linfóides, tais como o baço, timo, linfonodos e medula óssea são predominantemente inervados pelo sistema nervoso simpático. A maioria das células linfóides expressa receptores β - adrenérgicos na sua superfície. Na medula óssea, a produção de monócitos parece estar sob a influência da ativação simpática via receptores β2. Já a apoptose de células imunes é pelo menos parcialmente mediada pelas catecolaminas, por meio das vias α -adrenérgicas e β -adrenérgicas. Ao lado da ativação do sistema nervoso adrenérgico excessiva característica da sepse, pacientes com choque séptico recebem uma quantidade substancial de catecolaminas exógenas, como norepinefrina e dobutamina. Esta tempestade adrenérgica pode ser prejudicial para a resposta inflamatória e função cardíaca, como é demonstrado em pacientes com insuficiência cardíaca crônica. A estimulação dos receptores - adrenérgicos β potentemente inibe a produção de IL -12 por células apresentadoras de antígenos, e, assim, inibe a resposta inflamatória. A estimulação adrenérgica sustentada por si só pode provocar produção de citocinas nos cardiomiócitos, demonstrando então que o beta-bloqueio pode melhorar a resposta inflamatória sistêmica e cardíaca.

De outro ponto de vista, as oscilações fisiológicas no coração como frequencia cardíaca e pressão arterial estão diretamente correlacionadas com a atividade do sistema nervoso autônomo. Em pacientes criticamente doentes, a perda da variabilidade da frequência cardíaca pode contribuir para a progressão da disfunção orgânica e está associada ao aumento do risco de morte. Sepse é frequentemente caracterizada por alteração da variabilidade cardiovascular, e particularmente por comprometimento do controle do tônus vascular simpático sobre o coração e vasos. A perda do tônus simpático  e da modulação do sistema cardiovascular precede o choque na sepse experimental e clínica. Assim, o beta-bloqueio poderia ter efeitos favoráveis por ajudar nesta modulação. Em estudos experimentais o uso de esmolol associou-se à redução da apoptose miocárdica e a melhora do relaxamento diastólico e do volume diastólico final. A nível de modulação simpatovagal, o bloqueio específico β1 por metoprolol e atenolol pode restaurar variabilidade da frequência cardíaca em condições tais como a doença da arterial coronariana ou insuficiência cardíaca.

Além dos efeitos imunológicos e cardiovasculares benéficos descritos acima, o uso de beta-bloqueadores na sepse apresenta efeitos metabólicos benéficos como redução da perda muscular e na cascata de coagulação, reduzindo a ativação deste sistema na sepse.

A despeito de todo esse racional fisiopatológico favorável relacionado ao uso de beta-bloqueador, não havia até recentemente estudos de grande porte que evidenciassem efeitos benéficos desta classe de drogas em pacientes com sepse. Assim, Morelli e cols publicaram no JAMA um estudo randomizado de fase 2 realizado em uma UTI italiana no qual pacientes com choque séptico e frequencia cardíaca acima de 95 bpm receberam esmolol ou placebo. O objetivo primário do estudo era controle da FC entre 80 e 94 bpm no grupo tratamento durante as 96 horas de infusão do esmolol. Vale salientar que este estudo era open-label, ou seja, pelas características próprias da droga e do estudo, os pesquisadores sabiam o que cada paciente estava recebendo, o que por si só já é uma limitação, pois há uma tendência natural inconsciente dos investigadores de tratar melhor os pacientes do grupo intervenção. Estes eram pacientes bastante graves, pois a média de quantidade de norepinefrina de cada grupo era 0,4 mcg/kg/min antes da intervenção. No geral, o tratamento com esmolol associou-se a melhor evolução da função renal e melhor perfil hemodinâmico ao longo do tempo. E ainda, o uso de esmolol associou-se a redução significativa da mortalidade em 28 dias, de 80% no grupo controle para 49% no grupo esmolol. Obviamente o estudo não foi desenhado pra ver de forma adequada do ponto de vista estatístico essa redução de mortalidade e esta é uma das outras críticas ao trabalho, pois a mortalidade do grupo controle é muito mais elevada que a mortalidade do choque séptico habitualmente. Uma possível explicação para esse fato seria o elevado numero de infecções nosocomiais como causas de sepse nesse grupo de pacientes.

Assim, a principal conclusão deste estudo é que o uso de esmolol para controle da frequencia cardíaca é seguro e associa-se a um melhor perfil hemodinâmico e de função renal em pacientes com choque séptico. Os efeitos benéficos nos desfechos clínicos demonstrados neste estudo fase II precisam ser confirmados em estudos maiores.

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