SOPATI Sociedade Paulista de Terapia Intensiva
Tel.: (11) 3288-3332

Artigo Comentado - Abril/2013

Dra Juliana Carvalho Ferreira
Médica da UTI Respiratória da Disciplina de Pneumologia do Hospital das Clínicas (HC)/Instituto do Coração (InCor) da Faculdade de Medicina da USP
Médica da UTI do Hospital AC Camargo

Acute Respiratory Distress Syndrome. The Berlin Definition.The ARDS Definition Task Force. JAMA 2012; 307(23): doi:10.1001/jama.2012.5669

Em Maio de 2011, a Sociedade Europeia de Medicina Intensiva (European Society of Intensive Care Medicine - ESICM) montou um painel internacional de especialistas para rever a definição da Síndrome de Desconforto Respiratório Agudo (SDRA), publicada em 1994 pela Conferência de Consenso Americano-Europeu (AECC).

Os objetivos eram atualizar a definição utilizando dados epidemiológicos, fisiológicos e de ensaios clínicos e tentar corrigir algumas limitações da definição da AECC. A definição da AECC de 1994 definia SDRA como hipoxemia PaO2/FIO2<200mmHg), com início agudo, acompanhada de infiltrados bilaterais na radiografia de tórax, sem evidência de disfunção cardíaca baseada na pressão de capilar pulmonar, medida com o cateter de Swan-Ganz. Definia também a entidade lesão pulmonar aguda (LPA), que tinha critérios semelhantes, mas com hipoxemia menos grave (PaO2/FIO2< 300mm Hg). Apesar de seu uso amplo, que permitiu aquisição de dados clínicos e epidemiológicos e contribuiu para avanços no entendimento da síndrome e estratégias para seu tratamento, uma série de questões sobre os critérios da definição da AECC emergiram, incluindo a imprecisão do termo “agudo”, a falta de padronização dos parâmetros ventilatórios, em especial a FIO2 e a PEEP no momento do diagnóstico, dificuldades para definir a ausência de causa cardíaca para o edema, entre outras.

A elaboração da nova definição ocorreu em duas fases: na primeira, cujos resultados foram apresentados em Outubro de 2011, em Berlim, na Alemanha, o grupo de panelistas elaborou uma versão preliminar da nova definição, que era baseada em discussão e consenso dos panelistas. Por isso, a nova definição ficou conhecida mundialmente como a Definição de Berlim. Na segunda fase, publicada no JAMA em Maio de 2012 coincidindo com a apresentação pública dos resultados finais na Conferência Internacional da ATS, a definição preliminar foi empiricamente testada em utilizando dados de pacientes com SDRA incluídos em estudos clínicos publicados anteriormente. Os estudos incluídos podiam ser observacionais ou ensaios clínicos randomizados, e totalizavam 4188 pacientes.

Esses 4188 pacientes foram classificados de acordo com a definição da AECC e com a nova definição, e foi avaliada a capacidade da nova definição de prever mortalidade em tais pacientes. Além disso, foram testadas variáveis adicionais para a classificação de SDRA grave, tentando determinar se seu uso ajudaria a melhor classificar pacientes com SDRA mais grave e maior risco de morte.

Versão preliminar da nova definição de SDRA (Out 2011):

Oxigenação: O termo lesão pulmonar aguda foi removido, devido à percepção de que os clínicos usavam este termo para se referir a um subgrupo de pacientes com hipoxemia menos grave em vez da sua utilização pretendida, que abrangia todos os pacientes com a síndrome.  O painel propôs uma definição com três categorias de gravidade mutuamente exclusivas: SDRA leve, moderada e grave (veja tabela abaixo). Um nível mínimo de PEEP (5cm H2O), que pode ser aplicada através de ventilação não invasiva na SDRA leve, passou a ser necessário para o diagnóstico de SDRA.

Tempo: para um paciente a ser diagnosticado com SDRA, a Síndrome deve ser detectada até uma semana depois da ocorrência um fator de risco conhecido.

Radigrafia de tórax: O painel manteve opacidades pulmonares bilaterais consistentes com edema na radiografia de tórax para o diagnostico de SDRA, mas reconheceu que tais alterações poderiam ser baseadas em imagens obtidas através de tomografia de tórax.  

Origem do edema: Com o declínio do uso de cateter de artéria pulmonar, e pelo fato de edema de origem cardíaca poder coexistir com SDRA, o critério de pressão de oclusão da artéria pulmonar foi removido da nova definição.
O diagnostico de SDRA pode feito se a Insuficiência respiratória não totalmente explicada pela alteração cardíaca ou sobrecarga hídrica. Se não for identificado um fator de risco para SDRA, uma avaliação objetiva, por exemplo, com a ecocardiografia, é necessária para afastar edema de causa primariamente cardiogênica.

Variáveis auxiliares: Um conjunto de variáveis ​​auxiliares foi proposto para tentar melhor caracterizar SDRA grave e foram submetidos a avaliação empírica na segunda fase da elaboração da definição, utilizando os 4188 pacientes dos estudos incluídos pelo painel para validação da nova definição. O objetivo era avaliar se a inclusão dessas outras variáveis ajudava a classificar melhor pacientes como SDRA grave, melhorando a capacidade de prognosticar a mortalidade pela síndrome. Foram avaliadas como variáveis auxiliares para diagnóstico da SDRA grave: opacidades mais extensas na radiografia de tórax (três ou quatro quadrantes), uma PEEP mínima de 10 cmH2O, complacência do sistema respiratório baixa (<40mL/cmH2O), e aumento do espaço morto, estimado pelo volume minuto corrigido (VECORR=ventilação minuto x PaCO2/40).

A nova definição de SDRA, versão final:
As quatro variáveis auxiliares para classificação da SDRA grave, escolhidas na primeira fase, quando aplicadas nos mais de 4000 pacientes dos estudos clínicos usados para a validação dessa nova definição na segunda fase, identificaram aproximadamente 50% dos pacientes classificados como SDRA grave utilizando apenas o critério de PaO2/FIO2 menor ou igual a 100 mm Hg, sem melhorar o desempenho para prever mortalidade. A mortalidade dos pacientes classificados como SDRA grave usando o critério de PaO2/FIO2 <100 associado às quatro variáveis auxiliares foi de 45%, idêntica à mortalidade do grupo maior de pacientes classificados como SDRA grave com um critério mais simples, apenas de hipoxemia. Desse modo, os panelistas optaram por não utilizar essas variáveis na versão final da nova definição, por entenderem que sua inclusão não ajudava a identificar pacientes mais graves.

A tabela mostra a versão final da nova definição de Berlim.

 

Oxigenação

Instalação

Rx tórax

Origem do edema

SDRA leve

200 < PaO2/FiO2 ≤300 + PEEP/CPAP ≥5 cm H2O

Aguda, < 7 dias

Opacidades bilaterais, não resultantes de derrame pleural ou atelectasias

Não totalmente explicado por hipervolemia ou causa cardíaca

Avaliação objetiva recomendada se não houver fator de risco

SDRA moderada

100 < PaO2/FiO2 ≤200 com PEEP ≥5 cm H2O

SDRA grave

100 < PaO2/FiO2 com PEEP ≥5 cm H2O

Dos 4188 pacientes usados para validação da nova definição, 22% preencheram critérios para SDRA leve, 50% preencheram critérios de para SDRA moderada, e 28% preencheram critérios para SDRA grave.  A mortalidade aumentou com estágios de SDRA de leve 27%, para 32% na SDRA moderada e 45% na SDRA grave. Comparado com a definição AECC, a versão final da definição de Berlim teve melhor desempenho para prever mortalidade, medida através da área abaixo da curva ROC. A diferença teve significância estatística, apesar de ser clinicamente pequena.

O impacto da nova definição:
Os autores do estudo, na discussão, ressaltam que é a primeira vez que uma definição de consenso é submetida a avaliação empírica para sua validação na área de terapia intensiva. Argumentam também que a nova definição aborda limitações da definição da AECC, como a estratégia para excluir causas cardiogênicas para o edema pulmonar, melhor definição do termo agudo, e o uso de três categorias de gravidade mutuamente exclusivas.

A nova definição é mais simples de aplicar que a anterior, e provavelmente será amplamente adotada em estudos clínicos delineados após sua publicação. É importante ressaltar que a Definição de Berlim é traz mudanças não tanto como ferramenta prognóstica, visto que os próprios autores reconhecem que o desempenho da nova definição para prever mortalidade foi estatisticamente superior à definição antiga, mas a diferença foi pequena e clinicamente não relevante. Sua maior utilidade está na classificação de pacientes para inclusão em estudos clínicos, para estimar a prevalência das diversas categorias de gravidade entre pacientes com SDRA, e principalmente para ajudar as equipes multidisciplinares da UTI a identificarem e classificarem pacientes com SDRA, implementarem os resultados dos ensaios clínicos, discutir o prognóstico com as famílias, e planejar de alocação de recursos utilizando apenas dados clínicos, radiografia de tórax e gasometria arterial.

Perspectivas:
Como toda definição, também a nova definição de Berlim tem limitações, e já sofreu algumas criticas. Um estudo recentemente publicado utilizando autópsias mostrou que a nova definição é mais sensível, mas menos específica, do que a definição de da AECC de 1994. Além disso, a definição continua não utilizando parâmetros ventilatórios padronizados para o diagnóstico de SDRA, o que para alguns poderia melhorar a capacidade de classificar e predizer mortalidade na Síndrome, em especial se tais parâmetros padronizados fossem mantidos por 24 horas antes do diagnóstico. Novos estudos devem apontar pontos fortes e fracos da nova definição, enriquecendo nosso conhecimento sobre a SDRA.

Voltar Topo Enviar a um amigo Imprimir Home