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Aumento das fraudes em pesquisas preocupa cientistas

HERTON ESCOBAR

"É uma coisa tão horrorosa e tão incômoda que, por muito tempo, preferimos acreditar que o problema não existia. Mas ele existe, e estamos lidando de frente com ele agora." 

A afirmação, do biofísico Paulo Sérgio Beirão, reflete bem o momento de enfrentamento vivido entre cientistas e aquele que provavelmente é o maior fantasma de sua comunidade: a prática de fraudes na ciência. O número de casos relatados de plágio, falsificação e até fabricação (invenção) de resultados em trabalhos científicos vem aumentando significativamente nos últimos anos, deixando no ar a sensação de que uma "epidemia de fraudes" está se espalhando pelo outrora inabalável universo da integridade científica.

Uma das causas seria o maior acesso à internet e a softwares, que facilitam tanto a prática quanto a detecção de fraudes.
As estatísticas mais alarmantes vêm dos Estados Unidos. Segundo dados divulgados em dezembro pelo Escritório de Integridade em Pesquisa (ORI, em inglês) do Departamento de Saúde do governo americano, o número de trabalhos retratados nos últimos dez anos só nas ciências biomédicas aumentou 435% - levando em conta artigos listados na base PubMed, referência bibliográfica internacional para pesquisas nessa área. No ano passado, 375 artigos da base foram retratados, comparado a 271 em 2011 e a 70, em 2003. 

Criado há 20 anos, o ORI é encarregado de investigar denúncias de fraudes cometidas por cientistas que recebem recursos dos Institutos Nacionais de Saúde dos EUA. O escritório recebe uma média de 198 denúncias por ano, das quais 36% resultam em condenação. Em 2011, segundo o relatório anual mais r ecente, foram recebidas 240 denúncias, e dentre as 29 investigações concluídas, 13 (44%) resultaram em um veredicto de culpa. 

Números da Web of Science, a biblioteca digital que cataloga artigos das melhores revistas científicas do mundo, contam uma história semelhante, com um aumento significativo no número de retratações ao longo da última década. Só nos últimos dois anos, cerca de 800 trabalhos relacionados na base foram retratados, segundo estimativas divulgadas pelo site Retraction Watch, que publica diariamente notificações sobre pesquisas retratadas no mundo todo.

Trabalhos retratados são removidos da literatura e deixam de ter validade científica. A retratação não significa que tenha havido má fé por parte dos autores, mas é frequentemente relacionada a casos de má conduta.

Os sintomas dessa "epidemia" ainda são amenos no Brasil, mas as agências reguladoras e de financiamento estão atentas ao problema e já se preparam par a um agravamento no quadro local de denúncias.

Beirão está na linha de frente desse movimento. Ele é o presidente da Comissão de Integridade na Atividade Científica (Ciac) do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), criada há um ano para lidar especificamente com esse assunto. Cabe à Ciac estabelecer regras de boas práticas e de conduta ética na atividade científica, assim como analisar denúncias de possíveis violações dessas regras, quando elas envolvem pesquisadores ou projetos financiados pelo CNPq.

"O número de denúncias não é muito grande, mas já aumentou desde a criação da comissão", relata Beirão, que também é professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e diretor de Ciências Agrárias, Biológicas e da Saúde do CNPq. "Toda denúncia que chega é investigada, além de casos que nós detectamos por conta própria." 

Poucos infratores afetam imagem de toda a ciência

Trabalhos retratados não representam nem 0,1% do total de publicações, mas 'são preocupação de todos', diz especialista
Apesar do aumento no número de casos relatados nos últimos anos, as fraudes ainda representam uma minoria da atividade científica mundial.
O número de trabalhos retratados não representa nem 0,1% do total de trabalhos publicados no mundo. E o número de cientistas implicados negativamente nessas retratações é menor ainda, considerando que é comum várias retratações serem atribuídas a um mesmo pesquisador. Há vários casos, por exemplo, de cientistas com mais de 10 ou até 20 retratações no currículo.

A preocupação da comunidade científica com esses números, porém, é proporcionalmente muito maior, por conta do impacto negativo que essas poucas fraudes têm na credibilidade da ciência como um todo.

"As percepções sobre retratações impactam negativamente todos os cientistas", afirma John Krueger, do Escritório de Integridade em Pesquisa (ORI) dos EUA, em um artigo publicado em dezembro. Por isso, completa ele, "as retratações são uma preocupação de todos", e não só dos responsáveis por elas.

É preciso levar em conta que o número de retratações é um indicador limitado da real incidência de fraudes e outras formas de má conduta. Por um lado, as retratações podem ser motivadas por erros "honestos", cometidos sem a intenção de ludibriar. Nesse sentido, segundo Krueger, elas devem ser vistas como um ponto forte da ciência: a capacidade de se autocorrigir.

Por outro lado, pode haver uma parcela potencialmente grande de fraudes que não são detectadas ou reportadas por diferentes motivos. Estima-se, no geral, que entre 1% e 3% dos pesquisadores envolvam-se em algum tipo de má conduta.

Segundo um levantamento publicado no ano passado na revista PNAS, a maior parte (79%) das retratações envolve casos de má conduta, incluindo fraude ou suspeita de fraude (43%), duplicação de publicações (14%) e plági o (10%). Os números são baseados numa revisão de 2.047 trabalhos retratados na base de dados PubMed até maio de 2012 e revelam um aumento de aproximadamente dez vezes na ocorrência de casos de fraude ou suspeita de fraude desde 1975.

"Mostramos que a maioria das retratações é resultado de má conduta científica, e que quase metade dessas retratações envolve fraudes ou suspeita de fraudes", escrevem os autores, liderados por Ferric Fang, da Universidade de Washington.

Cerca de 21% das retratações, segundo o estudo, foram motivadas por erros - que podem ter sido cometidos tanto de boa fé quanto de má fé.
O levantamento mostra ainda que as retratações ocorrem tanto em revistas pequenas, envolvendo pesquisadores desconhecidos, quanto em revistas de alto impacto (como Nature, Science e Lancet), envolvendo pesquisadores renomados.

Casos famosos incluem o do coreano Hwang Woo-Suk, que fraudou estudos sobre clonagem de células-tronco embrionár ias humanas na Universidade Nacional de Seul, e do americano Marc Hauser, que fraudou estudos sobre a capacidade cognitiva de macacos na Universidade Harvard, segundo o ORI.

Efeito tecnológico. O aumento do número de retratações nos últimos anos pode ser resultado tanto de um aumento na prática de fraudes quanto de um aumento na capacidade tecnológica de identificá-las, com auxílio da internet e de softwares que permitem analisar imagens e comparar textos (para detecção de plágio) com facilidade.

"Não sei se tem mais gente cometendo fraudes, mas certamente há mais recursos tecnológicos disponíveis, tanto para cometê-las quanto para detectá-las", avalia o filósofo Luiz Henrique Lopes dos Santos, da Fapesp. "Talvez essas fraudes sempre existiram; só que agora ficou mais fácil de elas aparecerem."

Para Grant Steen, um dos coautores do estudo na PNAS, os números são preocupantes, mas não necessariamente uma surpresa. "Sabemos que há polít icos que mentem, advogados que trapaceiam, padres que quebram seus votos, médicos que são displicentes, professores que abusam de crianças, então não há porque esperar que cientistas sejam perfeitos", diz ele. "Afinal de contas, são seres humanos também." / H.E.

O Estado de S. Paulo – Vida

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